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Sobre o Projeto

Resumo Executivo


Geração de cenários de produção de álcool como apoio para a formulação de políticas públicas aplicadas à adaptação do setor sucroalcooleiro nacional às mudanças climáticas (AlcScens)




O tema das mudanças climáticas deixou de ser um assunto restrito à área acadêmica e começou a fazer parte do cotidiano das pessoas e das pautas de discussões das políticas de desenvolvimento nacional e internacional, pois é cada vez maior a possibilidade que o clima já esteja mudando e da forma mais drástica prevista. Sendo assim, a principal atitude recomendada neste momento é começar a desenvolver formas, técnicas e métodos de adaptação das atividades humanas a estas mudanças, pois os custos e impactos da inação podem ser muito elevados. A agricultura e a pecuária, enquanto atividades que dependam diretamente das condições ambientais para o seu desempenho, poderão ser duramente afetadas pelas mudanças climáticas, principalmente em regiões de clima tropical. Isto é preocupante para o Brasil por causa da importância do agronegócio para a sua economia e para a sociedade, como um todo. Dentre as culturas agrícolas de grande importância para o país, a cana-de-açúcar tem um destaque especial no contexto das mudanças climáticas devido ao interesse de ampliação da utilização de álcool combustível no Brasil e no mundo, nos próximos anos, como forma de mitigação das emissões dos gases de feito estufa (GEE). Há, por um lado, um grande interesse na ampliação das áreas de plantio da cana-de-açúcar visando atender as demandas crescentes de álcool combustível, enquanto que, de outro, várias restrições justificadas pelos impactos possíveis no meio-ambiente, na segurança alimentar e nutricional, na dinâmica demográfica e na saúde humana e, também, as preocupações sobre os efeitos das mudanças climáticas na agricultura. Essa expansão deve ser devidamente planejada, considerando, também, a adaptação às mudanças climáticas, para que o Brasil não perca uma grande oportunidade de negócios e desenvolvimento, mas, também, não tenha prejuízos econômicos, sociais e ambientais por causa de decisões precipitadas e sem o embasamento técnico e científico necessário. Este caso mostra o grande desafio que é adaptar um sistema produtivo complexo, com várias inter-relações, às mudanças climáticas, e como tal será tratado no Projeto por especialistas de várias áreas do conhecimento, tais como, climatologia, dinâmica demográfica, segurança alimentar e nutricional, divulgação científica, políticas públicas, geoprocessamento, meio-ambiente, saúde humana e desenvolvimento científico e tecnológico. O instrumento a ser utilizado nas análises sobre a capacitação de adaptação do setor sucroalcooleiro às mudanças climáticas e, de modo geral, à capacidade de adaptação do agronegócio como um todo, serão cenários de produção de álcool combustível e impactos associados.

Problema científico



O agronegócio brasileiro tem tido resultados muito expressivos nos últimos anos, fazendo com que o país seja um grande produtor mundial de café, cana-de-açúcar, suco de laranja, carne bovina, tabaco, banana, aves, milho, abacaxi e carne suína. O agronegócio foi responsável por 23% do PIB em 2007, 42% das exportações e 37% dos empregos. Dentre os vários motivos responsáveis por estes resultados destacam-se:

    - Existência de recursos humanos profissionais e qualificados;
    - Oferta ambiental favorável;
    - Bom nível de desenvolvimento tecnológico; e
    - Baixos custos de produção.

Ressalta-se que, apesar dos bons índices atuais, há vários desafios que devem ser enfrentados para que o agronegócio nacional continue progredindo nos próximos anos, tais como:

    - Aumentar a produtividade dos principais cultivos agrícolas, através da incorporação do conhecimento tradicional ou da biotecnologia;
    - Expandir a fronteira agrícola existente no país, que é um diferencial em relação a outras regiões, como a Ásia, por exemplo;
    - Melhorar a infra-estrutura geral do país, tais como estradas, portos, armazéns e transportes;
    - Agregar valor à produção agrícola;
    - Reduzir a carga tributária;
    - Definir políticas públicas integradas e devidamente planejadas;
    - Estimar as safras com maior objetividade, precisão e antecipação; e
    - Ampliar a securitização rural.

Até alguns anos atrás, o desafio de adaptar a agricultura brasileira às mudanças climáticas talvez nem fosse colocado nesta lista ou, se estivesse, nem teria um lugar de destaque, por duas razões principais:

    - Havia outros desafios mais prementes; e
    - O conhecimento e a divulgação sobre as mudanças climáticas e seus impactos eram muito inferiores ao que é disponível e realizado atualmente.

Atualmente, entretanto, a situação é bem distinta, e a adaptação da agricultura às mudanças climáticas destaca-se dentre os desafios existentes para o desenvolvimento do agronegócio nacional, pelos seguintes motivos principais:

    - Possibilidade, cada vez maior, que o clima já esteja mudando e da forma mais drástica dentre as previstas, aumentando o risco de impactos negativos provocados pela inação;
    - Influência que as mudanças climáticas têm sobre todos os demais desafios existentes para o desenvolvimento do agronegócio nacional (citados na lista acima), elevando a complexidade de cada um deles e do agronegócio, como um todo;
    - O grande impacto que as mudanças climáticas poderão provocar numa agropecuária tropical, como a brasileira, nas avaliações feitas até então;
    - O longo tempo que pode ser necessário para desenvolver técnicas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas;
    - Grande divulgação sobre o tema das mudanças climáticas, a partir de 2007, que deixou de ser um assunto restrito à área acadêmica e começou a fazer parte do cotidiano das pessoas e das pautas de discussões das políticas de desenvolvimento nacional e internacional.

A agropecuária pode assumir, na prática, um duplo papel no contexto das mudanças climáticas. Ela pode ser parte do problema, ao emitir quantidades significativas de gases de efeito estufa (GEE) no desenvolvimento de suas atividades, tais como o metano na pecuária ou o carbono no desflorestamento para abertura de novas áreas para pastagens ou culturas agrícolas. Mas pode, também, ser parte da solução. Dentre as várias soluções que podem ser adotadas com a finalidade principal de mitigar as emissões dos gases de efeito estufa (GEE) associadas às atividades antrópicas, a substituição dos combustíveis fósseis pelos renováveis (biocombustíveis) é uma das que possui um grande potencial de aplicação em larga escala, em um tempo relativamente curto, quando comparada com outras tecnologias existentes ou, ainda, em desenvolvimento.

O modo como o Brasil vem utilizando o álcool combustível em sua frota veicular a vários anos vem despertando o interesse de vários países em repetir experiência semelhante em seus territórios, abrindo, com isso, uma perspectiva propícia para aumento da exportação deste produto nos próximos anos. Internamente, tem se registrado, também, um aumento do interesse pelo álcool devido aos seguintes fatores principais:

    - Advento dos carros “flex-fuel”;
    - Aumento da frota nacional de veículos;
    - Elevação do preço do petróleo e seus derivados no mercado internacional; e
    - Preocupação crescente da população brasileira pelos possíveis impactos adversos das mudanças climáticas.

Estas condições, externas e internas, deverão provocar um aumento significativo da demanda de álcool nos próximos anos e, com isso, serão bastante favoráveis para uma expansão da área plantada com cana-de-açúcar no país, razão pela qual a adaptação do setor sucroalcooleiro às mudanças climáticas é prioritária para que ele continue colaborando para o desenvolvimento do país. Essa expansão, entretanto, deve ser devidamente planejada, pois, diferentemente de outras épocas na história do Brasil, não poderá ocorrer de qualquer forma, sem que sejam consideradas as condições ambientais, energéticas, econômicas, sociais, políticas, culturais, demográficas e de segurança alimentar e nutricional, diretamente associadas a ela. Uma expansão desordenada e mal planejada poderá ser desastrosa sob vários aspectos, principalmente se não for considerada a necessidade e a capacidade de adaptação do setor às mudanças climáticas, fazendo com que os impactos negativos superem os benefícios decorrentes do aumento da utilização do álcool combustível no Brasil e no mundo.

O grande desafio deste planejamento é que ele deve considerar, em conjunto, vários fatores relacionados diretamente à cultura da cana-de-açúcar, às tecnologias de produção de seus produtos principais (açúcar e álcool) e aos impactos diretamente associados ao seu desempenho (no meio-ambiente, na segurança alimentar e nutricional, na dinâmica demográfica e na saúde humana, dentre outros). Desse modo, para que seja possível estabelecer políticas públicas que favoreçam a adaptação do setor sucroalcooleiro às mudanças climáticas, considerando as suas grandes responsabilidades sociais, econômicas e ambientais nos próximos anos, o problema científico de interesse do Projeto é a elaboração de cenários de produção de etanol de cana-de-açúcar, e os impactos associados, nas próximas décadas, com base

    - Nos vários parâmetros envolvidos na produção de açúcar e álcool;
    - Na experiência acumulada no país no setor sucroalcooleiro, principalmente em São Paulo;
    - Na disponibilidade de recursos naturais;
    - No desenvolvimento das tecnologias agrícola e industrial; e
    - Na adoção de políticas relativas ao setor.

Justificativa



A definição do problema científico a ser tratado pelo Projeto, embasado na geração de um produto bem definido (como deverão ser os cenários de produção), é feita com dois objetivos principais:

    - Colaborar para a adaptação de um setor importantíssimo para o país às mudanças climáticas, pois o Brasil é o maior produtor mundial de etanol de cana-de-açúcar, com o estado de São Paulo respondendo por 60% da produção nacional e 25% da mundial; e
    - Criar condições propícias para a realização de análises mais profundas e fundamentadas a respeito da capacidade de adaptação do agronegócio nacional às mudanças climáticas e, de modo geral, da capacidade de adaptação da própria sociedade a um dos maiores desafios que ela possui atualmente para o seu desenvolvimento.

A escolha recaiu sobre a cana-de-açúcar, e o álcool combustível, em particular, pelos seguintes motivos principais:

    - A cana-de-açúcar é uma cultura agrícola muito tradicional no país, com quase 500 anos de história, sendo que a sua produção poderá superar a de grãos nos próximos anos;
    - A adaptação é possível, pois conseguiu superar momentos desfavoráveis ao longo do tempo, e desejável, devido à sua importância atual e futura para a economia do país;
    - Há muito conhecimento adquirido e disponível sobre o assunto, principalmente no estado de São Paulo;
    - Há regiões no país com desenvolvimentos completamente distintos (Sudeste e Nordeste, por exemplo) e áreas interessadas em expandir a produção e desenvolver-se também no setor (Centro-Oeste);
    - Evoluiu a ponto de gerar produtos com várias finalidades (alimentação, energia, combustível e química), diferentemente de outras culturas que ainda não possuem tantas alternativas de produção (como o feijão, por exemplo) e/ou continuam produzindo e exportando o mesmo tipo de produto há vários séculos (tal como o café). Observa-se que a possibilidade de gerar produtos diferentes a partir da mesma matéria-prima é uma vantagem para o setor, pois aumenta a sua capacidade de adaptação às flutuações que normalmente existem na área produtiva. Entretanto, esta flexibilidade deve ser devidamente administrada para que situações favoráveis para um tipo de produto, num determinado período, não prejudiquem os demais. Isso já aconteceu no início da década de 90 no Brasil, quando o aumento da produção de açúcar reduziu a quantidade de álcool combustível disponível para o abastecimento da frota que não era “flex-fuel” e não tinha a alternativa do combustível fóssil;
    - Pode atender os mercados interno e externo, simultaneamente, necessitando de um equilíbrio para que um não seja prejudicado pelo outro, quando houver diferenças significativas de retorno entre eles, pois ambos são importantes para o desenvolvimento do setor;
    - Enfrenta resistências em vários setores, principalmente os ligados às questões ambientais, havendo limites relevantes para a sua expansão;
    - Necessidade de desenvolvimento consistente e duradouro da produção agrícola, sem esgotamento dos meios de produção (como nos sistemas extrativistas), mas preservando-os em condições adequadas para viabilizar as safras seguintes, pois trata-se de uma fonte de energia renovável;
    - Possui fatores típicos de uma produção agrícola (tais como sazonalidade, inelasticidade e dependência de fatores incontroláveis, como o clima) que podem afetar o abastecimento dos mercados interno e externo, caso não haja um sistema de estoque de segurança;
    - Compete com o setor petrolífero, que tem grande poder, influência e importância no país e exterior. No caso específico do Brasil, a descoberta de novas reservas de petróleo e gás natural poderá reduzir a demanda de álcool, dependendo de como e quando serão exploradas;
    - Compete com outros tipos de energia (disponíveis ou em desenvolvimento) que, dependendo da tecnologia e da política adotada, poderão ser economicamente mais vantajosos e provocar uma redução na sua demanda, com possível impacto para os produtores agrícolas e industriais;
    - Emprega muita tecnologia e utiliza áreas extensas;
    - Costuma competir com outras culturas, pois a sua expansão ocorre, normalmente, em áreas já ocupadas, para aproveitar a infra-estrutura existente e necessária para a produção e distribuição, podendo afetar a segurança alimentar e nutricional nacional;
    - Envolve várias áreas do conhecimento, pois o seu desenvolvimento está diretamente relacionado a vários setores distintos, tais como: agrícola, industrial, energético, ambiental, comércio exterior, infra-estrutura, demografia, segurança alimentar, políticas nacionais e internacionais;
    - Necessita considerar a existência de interesses distintos e relevantes, como o da população, por exemplo, que quer combustível para os carros, mas, também, alimentos de qualidade e em quantidade, ambiente sustentável e renda;
    - Risco de transformar-se em solução transitória para as mudanças climáticas, decorrente da tomada de decisões rápidas e oportunistas, sem os critérios e análises que a complexidade do assunto requer. Ciclos curtos e rápidos de grandes investimentos e desenvolvimento, que não sejam sustentáveis a médio e longo prazos, podem ser desvantajosos para o setor. Um desequilíbrio entre a oferta e a demanda, provocada por uma superprodução ou por queda significativa na demanda, podem ser prejudiciais para o setor.

De acordo com todos estes motivos, observa-se que a adaptação da cana-de-açúcar e da produção de álcool combustível às mudanças climáticas não é um desafio que pode e deve ser enfrentado por cada setor ou área do conhecimento em particular, sem uma preocupação com as outras áreas também envolvidas no assunto. O tratamento unilateral, setorial ou disciplinar pode criar novos problemas, limitações e desafios para o setor à medida que se procura resolver ou minimizar os antigos. A expansão da área plantada com cana-de-açúcar, por exemplo, a todo e qualquer custo, sem preocupação com os possíveis efeitos associados, pode ser muito prejudicial para o setor sucroalcooleiro. A adaptação às mudanças climáticas deve ser um esforço coletivo, articulado e interdisciplinar. Este é o grande desafio do Projeto. Logicamente, cada disciplina ou área do conhecimento deve continuar desenvolvendo-se para contribuir da melhor forma possível para o objetivo comum que é a adaptação da produção de cana-de-açúcar e álcool combustível às mudanças climáticas. Se esta integração de esforços não for feita, o Brasil corre o risco de perder uma grande oportunidade para o seu desenvolvimento econômico (decorrente da exportação de produtos e tecnologia desenvolvida no país) ou desenvolver uma solução transitória, se os investimentos não forem feitos corretamente ou se os interesses forem apenas setoriais e de curtíssimo prazo, apenas para aproveitar um momento de euforia, sem perspectiva de continuidade no futuro.

Meio-Ambiente

O primeiro impacto que pode ser associado diretamente à expansão da atividade canavieira e a produção de álcool combustível é a necessidade da incorporação de novas áreas, normalmente de grande extensão, ocupadas, originariamente, por outras culturas ou vegetação natural. A ampliação das áreas de monocultura é sempre um desafio maior para a preservação da biodiversidade e para a conservação dos recursos naturais (solo e água) de uma determinada região, fatores imprescindíveis para o desempenho da atividade agrícola. A utilização intensiva de produtos químicos e máquinas agrícolas são dois fatores que provocam impactos diretos na degradação dos recursos naturais ao longo do tempo e que também devem ser considerados nos estudos e avaliação de impactos ambientais. Sobre isto, já há uma literatura sobre o assunto que pode ser de grande utilidade no Projeto. Ressalta-se que a crescente disponibilidade de dados de sensoriamento remoto e o desenvolvimento de técnicas avançadas de processamento destes dados são de grande utilidade, por exemplo, para mapear o uso da terra, definir áreas indicadas para expansão dos plantios de cana-de-açúcar e estimar os impactos provocados pela atividade agrícola nos recursos naturais. A existência de séries temporais de imagens de sensores remotos é uma realidade e pode ser de grande utilidade na estimativa de impactos ambientais ao longo do tempo.

Segurança Alimentar e Nutricional

Se a expansão da cultura canavieira ocorrer nas áreas utilizadas pelas culturas alimentares, pode haver uma diminuição na disponibilidade de alimentos para a população, com risco de insegurança alimentar. De acordo com a definição incorporada na Lei Nº11.346, de 15-07-2006 (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - LOSAN), “Segurança alimentar e nutricional (SAN) é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis” (Consea, 2004). Trata-se de um conceito bastante abrangente, sendo que os fatores determinantes do comprometimento da Segurança Alimentar e Nutricional vão desde a soberania alimentar até a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada. A soberania alimentar deve ser exercida pelo país definindo as suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos com o objetivo de garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada, respeitando-se as várias características culturais (Baccarin e Peres, 2005).

A segurança alimentar e nutricional (SAN) pode ser considerada em quatro dimensões principais (Gross et al., 2000):

    - Disponibilidade de alimentos suficientes para toda a população: envolve a produção, importação, exportação e distribuição de alimentos;
    - Acesso (físico e econômico) aos alimentos: refere-se à capacidade de todos os cidadãos obterem alimentos de forma socialmente aceitável e contínua;
    - Utilização dos nutrientes: relacionada ao aproveitamento biológico dos alimentos, que pode ser influenciada pelas condições de saneamento básico, saúde das pessoas, segurança microbiológica, física e química dos alimentos, além da informação e educação alimentar e nutricional; e
    - Estabilidade da disponibilidade, acesso e utilização do alimento: é o elemento temporal relacionado às três condições anteriores.

Problemas na disponibilidade, no acesso e/ou na utilização dos alimentos podem ser crônicos, sazonais, ou transitórios e implicar na definição de ações, tanto pertinentes às estratégias adotadas pelas famílias quanto pelas políticas públicas (Gross et al., 2000). Ressalta-se que as quatro dimensões da segurança alimentar e nutricional podem ser consideradas em três níveis sócio-organizacionais principais (Gross et al., 2000 e Ministério da Saúde, 2005):

   a) Micro (domiciliar e municipal);
   b) Meso (regional e estadual) e
   c) Macro (país e mundial).

Tecnologia

Outro aspecto importante, com relação aos impactos das mudanças climáticas na agricultura, refere-se à capacidade efetiva do sistema agro-industrial de produção do etanol de cana no Brasil de inovar para aumentar o seu potencial de adaptação às mudanças climáticas e para intensificar o seu potencial mitigador de emissões de gases de efeito estufa. O Brasil é o país tropical que tem mais logrado aumentar o volume de produção agrícola nos últimos decênios, sendo que uma parte substancial do aumento da produção agrícola veio dos incrementos de produtividade das terras já cultivadas, enquanto que outra parte decorreu da expansão da agricultura para novas áreas. Essa expansão se deu, sobretudo, nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país, que são áreas mais quentes e com regimes de chuvas distintos das regiões Sul e Sudeste. O deslocamento da agricultura para novas áreas dependeu, em grande medida, do esforço tecnológico na área agronômica para adaptar as variedades a condições edafoclimáticas muito diferentes daquelas onde as espécies vegetais se desenvolveram primeiramente no país. No entanto, essas novas regiões agrícolas, nas análises feitas até então, também estão expostas aos impactos das mudanças climáticas, fazendo com que o grande dinamismo da agricultura brasileira nos últimos 40 anos possa ficar comprometido no século atual. Sendo assim, a tecnologia deverá contribuir substancialmente para adaptar as variedades agrícolas atuais às novas condições climáticas, baseado na capacidade que o Brasil já demonstrou no desenvolvimento de novas de variedades vegetais adaptadas às condições de solo e clima do interior do país, apoiado em um dinâmico sistema setorial de inovação.

A tecnologia pode aumentar consideravelmente o nível de produtividade do sistema agro-industrial que dá sustentação à produção de etanol, tanto na fase agrícola quanto na etapa industrial. Na etapa agrícola, os avanços no desenvolvimento de variedades mais produtivas em sacarose ou fibra, menos consumidoras de insumos, mais resistentes a pragas, mais adequadas ao ciclo sazonal e a melhorias de manejo agrícola, nas práticas de plantio e colheita, devem permitir avanços maiores. No campo industrial, existe a perspectiva de grandes mudanças nas tecnologias de processamento que permita ampliar o espectro das matérias-primas do etanol, incorporando as ligno-celulósicas. Essas evoluções tecnológicas irão, certamente, implicar em uma ampliação do efeito mitigador do etanol de cana.

A tecnologia também pode contribuir de diversas outras formas, amenizando os efeitos negativos da mudança climática para a agricultura. As previsões meteorológicas e climáticas são cada vez mais precisas no Brasil. Elas são crescentemente levadas em consideração nas decisões de plantio dos agricultores e também em outras decisões importantes como irrigação, colheita, aplicação de defensivos e manejo do solo. Pode-se considerar que o aumento da acuidade das previsões meteorológicas e climáticas contribua substancialmente para que os agricultores tomem medidas preventivas que reduzam os impactos negativos sobre a produção agrícola. A tecnologia não somente contribui para melhorar a qualidade dessas previsões como pode facilitar o acesso dos agricultores à informação pertinente. Como exemplo de sistemas de informações agrometeorológicas, cita-se a página do Cepagri/Unicamp (em http://www.cpa.unicamp.br), em funcionamento desde 16/05/1995, 15 dias antes do início da operação comercial da Internet no Brasil, e a página do Agritempo (http://www.agritempo.gov.br), em funcionamento desde 2003. Um grande desafio, relacionado diretamente às previsões de tempo e clima, e que necessita de um desenvolvimento maior que o existente atualmente no Brasil, é o da estimativa de safras de forma objetiva e com a precisão e a antecedência adequadas. Isto é mais relevante ainda no caso da cana-de-açúcar devido à necessidade de garantir continuamente o abastecimento de etanol para o mercado consumidor, com a devida margem de segurança.

Para viabilizar o desenvolvimento e a implementação de todas essas medidas tecnológicas, as políticas de pesquisa, desenvolvimento e extensão agrícola são postas como centrais, ao lado de mudanças institucionais, reforma agrária, seguro rural, crédito agrícola e incentivos ficais.

Dinâmica Demográfica

Além dos aspectos tecnológicos e ambientais já destacados, as análises relacionadas à evolução da atividade canavieira e seus impactos devem incorporar o fator humano, especialmente a dinâmica demográfica. A consolidação das áreas tradicionais de plantio e o surgimento de áreas de expansão poderão, por exemplo, promover transformações nos perfis sócio-demográficos devidos aos seguintes aspectos principais:

    - Oferta e demanda de mão-de-obra;
    - Oferta e demanda de terras;
    - Alteração na distribuição das populações urbana e rural;
    - Distribuição da população nas diferentes categorias de cidades;
    - Alteração no perfil do trabalhador diante da demanda de mão-de-obra qualificada frente às novas exigências tecnológicas da cultura canavieira e das produções de açúcar e álcool;
    - Alteração na distribuição do emprego agrícola, em âmbitos regional e local;
    - Ampliação dos padrões migratórios sazonais, com a inclusão de novas áreas;
    - Consolidação do sistema de cidades, em função da necessidade de melhoria da infra-estrutura para a distribuição da produção;
    - Demandas potencial e real de consumo e de mão-de–obra disponível em função das diferentes etapas da transição demográfica e das migrações que vivenciam tais cidades.

Desse modo, a interface com a dinâmica demográfica coloca as questões seguintes:

    - Quais serão as novas regiões e cidades em um cenário de expansão da cultura da cana de açúcar e da produção de açúcar e álcool?
    - Como a população residente irá interagir com essa expansão, vis-à-vis sua alocação nos espaço urbano e rural?
    - Como a transformação do mercado de trabalho local impactará na atração, fixação e/ou expulsão de grupos sociais específicos envolvidos em distintos deslocamentos populacionais (migração interestadual, migração intra-estadual, migração intra-regional, sazonalidade e pendularidade)?
    - Como os efeitos multiplicadores da expansão da cultura da cana de açúcar e da produção de açúcar e álcool se refletirão no setor terciário da economia e suas vinculações com a dinâmica regional e migratória?

Diante dessas questões, para o enfrentamento desta nova perspectiva econômica e social, avaliação dos impactos e necessidade de planejamento, torna-se imperativo que se contemplem os elementos da dinâmica demográfica, bem como as projeções populacionais e as demandas específicas para o avanço do conhecimento acerca de uma problemática como a das mudanças climáticas e seus impactos que é, eminentemente, interdisciplinar.

Saúde Humana

Todos impactos citados acima (no meio-ambiente, na dinâmica demográfica e na segurança alimentar e nutricional, principalmente) têm uma influência direta sobre a saúde humana. Há situações já identificadas e conhecidas há mais tempo como é o caso, por exemplo, do efeito das queimadas realizadas durante a colheita no aumento do registro de doenças respiratórias e hipertensão em áreas próximas aos plantios de cana-de-açúcar. Tanto que há uma lei no estado de São Paulo que estabelece a proibição gradativa da queima da cana-de-açúcar. Outros trabalhos mais recentes têm procurado identificar quais compostos estão aumentando na atmosfera com a substituição dos combustíveis fósseis pelo álcool e estabelecer a relação com aspectos da saúde humana. Dentre eles, o ozônio é um dos componentes atmosféricos que tem tido a sua concentração aumentada ao longo do tempo, ressaltando-se que a asma e a debilidade do sistema imunológico têm sido vinculadas a pequenos aumentos da quantidade de ozônio na atmosfera. A identificação destas relações entre os componentes atmosféricos e a ocorrência de doenças é de grande importância para a definição das restrições à expansão da produção de cana-de-açúcar e, também, para servir de base para a adaptação dos sistemas de saúde das áreas novas e de expansão ao tipo de doença que pode começar a predominar ou aumentar com a expansão ou introdução dos plantios de cana-de-açúcar. Ressalta-se que a elevação das temperaturas, associada às mudanças climáticas, já é, por si só, um fator ambiental que pode favorecer o aumento da ocorrência de doenças tropicais. Portanto, há riscos de aumento dos problemas de saúde pública associados à inação e outros relacionados às ações de adaptação e mitigação. O conhecimento da relação entre o ambiente e a saúde humana é fundamental para que sejam feitas as melhores escolhas dentre as opções possíveis para adaptar as atividades humanas às mudanças climáticas.

Divulgação Científica

Relacionando e interligando todos os demais aspectos técnicos e humanos já destacados, encontra-se a divulgação científica que é mais desafiadora ainda no caso das mudanças climáticas pelos seguintes motivos principais:

    - Tema com complexidade elevada, que dificulta a divulgação em linguagem adequada e, consequentemente, o seu entendimento, mesmo para pessoas mais instruídas e povos com maior nível de educação formal;
    - Interesse generalizado, elevado e recente pelo assunto, que demanda o domínio de várias mídias e a utilização de linguagens apropriadas para cada um dos vários públicos existentes;
    - Necessidade de informar adequadamente a população, sem assustá-la, devido à existência de outros assuntos também relevantes mas com impactos a prazos mais curtos que o das mudanças climáticas;
    - Existência de interesses conflitantes sobre o assunto; e
    - Necessidade de convencer grande parte da população mundial e dos governos a envolverem-se efetivamente no assunto e adotarem técnicas nem sempre populares, a curto prazo, que produzirão resultados a longo prazo e não a beneficiarão diretamente.

A avaliação da expansão da produção de álcool combustível no Brasil é um exemplo bem ilustrativo da complexidade envolvida no planejamento da adaptação do país às mudanças climáticas. Neste caso, por exemplo, há uma série de interesses distintos que devem ser devidamente considerados, tais como:

    - Consumidores de combustível: querem segurança no abastecimento, redução no nível de poluição ambiental e preço acessível;
    - População: deseja, de forma geral, o menor impacto ambiental possível e a segurança alimentar e nutricional;
    - Produtores agrícolas e industriais: querem desenvolver suas respectivas atividades e obter retorno dos investimentos e trabalhos realizados; e
    - Mercado Internacional: exige, normalmente, qualidade da produção e garantia de abastecimento.

Cientificamente, o grande desafio existente está em como ponderar e conciliar os vários fatores de naturezas distintas (alguns qualitativos, outros quantitativos) envolvidos diretamente na produção de cana-de-açúcar e álcool combustível em uma nova condição climática, para que ela possa ser, também, uma solução efetiva de mitigação da emissão dos gases de efeito estufa e não produza impactos negativos superiores aos positivos. Trata-se, portanto de uma situação que consiste em procurar a condição de equilíbrio mais estável possível entre os vários interesses, agentes e fatores envolvidos.

Resultados esperados



Os principais resultados esperados com o desenvolvimento do Projeto são os cenários de produção de álcool obtidos a partir da combinação devida dos fatores determinantes desta produção, para duas regiões representativas no Brasil (uma desenvolvida e outra em expansão no setor) em três períodos diferentes.

Estes resultados deverão permitir a obtenção de outro resultado relevante que é a análise geral da capacidade de adaptação de um setor produtivo importante do país às mudanças climáticas. Esta análise, na prática, permitirá avaliar a própria capacidade de adaptação da sociedade às mudanças climáticas devido à complexidade das inter-relações do setor estudado com setores políticos, econômicos, sociais e técnicos.

Além desses resultados esperados, deverão ser obtidos outros também importantes ao longo do Projeto, tais como:

    - Identificação de três a cinco modelos de previsão de mudanças climáticas mais adequados para o Brasil e para avaliações de impactos e vulnerabilidade de culturas agrícolas às mudanças climáticas;
    - Avaliações do impacto das mudanças climáticas nas áreas-teste escolhidas;
    - Identificação da relação entre a expansão dos plantios de cana-de-açúcar e a segurança alimentar e nutricional;
    - Determinação da relação entre a ampliação das áreas plantadas com cana-de-açúcar e a dinâmica demográfica;
    - Efeitos da modificação da composição atmosférica devida à utilização do álcool combustível na saúde humana;
    - Divulgações mais aprofundadas, para vários públicos distintos, sobre o tema das mudanças climáticas em várias mídias;
    - Efeitos das várias tecnologias possíveis na adaptação às mudanças climáticas;
    - Sugestão de políticas públicas para adaptação da produção de álcool combustível às mudanças climáticas;
    - Conhecimento melhor da relação entre o clima e a produção de cana, ao longo do tempo;
    - Melhoria da precisão, objetividade e antecipação dos métodos de previsão de safras da cana-de-açúcar;
    - Avaliação da utilização dos produtos agrometeorológicos disponíveis na internet, especialmente nas páginas do Cepagri e Agritempo, pelos agricultores, gestores e técnicos do setor sucroalcooleiro;
    - Metodologia que permita integrar vários conhecimentos distintos com o propósito de atingir o objetivo geral do Projeto;
    - Formação de pessoal técnico qualificado na área de mudanças climáticas.

Desafios científicos

A produção de etanol de cana-de-açúcar pode ser esquematizada através do diagrama apresentado na Figura 1.


Figura 1. Insumos, Fatores de Produção, Restrições e Impactos envolvidos na Produção de Álcool.

No topo da Figura estão representados fatores determinantes da produção de cana, açúcar, álcool e energia, tais como:

    - Condições climáticas favoráveis para o desenvolvimento da cana-de-açúcar com o menor risco climático possível (pelo menos 80% de chance de sucesso, ou, quatro safras bem sucedidas a cada cinco);
    - Disponibilidade de terras para o plantio da cana;
    - Tecnologia agrícola relacionada com a produção no campo, tal como variedades produtivas e adaptadas, maquinaria agrícola, produtos químicos, previsão de tempo e clima, fertilizantes e monitoramento agrometeorológico;
    - Tecnologia industrial, responsável pela geração dos vários produtos (açúcar, álcool, energia e química) a partir da cana colhida;
    - Distribuição populacional - é importante tanto como fonte de mão-de-obra para o campo e a indústria quanto como na definição do mercado consumidor que pode delimitar as áreas de plantio e industrialização da cana-de-açúcar e na relação com a saúde humana;
    - Infra-estrutura utilizada tanto na produção agrícola quanto na industrial, tais como, estradas, portos, armazéns, indústrias e telecomunicações;
    - Política – pode favorecer ou dificultar o desenvolvimento da produção, de acordo com a influência exercida nos fatores determinantes, a menos do climático;
    - Recursos financeiros – também afeta os demais fatores, a menos do climático, e tem uma relação muito estreita com o fator político.

Os quatro símbolos à direita da Figura representam os setores que podem ser impactados pelo sistema de produção agro-industrial, tais como: meio-ambiente, dinâmica populacional, segurança alimentar e nutricional e a saúde humana. Ressalta-se que o dimensionamento dos impactos sobre estes setores pode servir para definir os limites ou restrições ao desenvolvimento do sistema de produção.

A geração dos cenários de produção do álcool de cana será baseada em uma metodologia bastante desenvolvida na Unicamp, juntamente com outras instituições de pesquisa parceiras, desde 1996, no Programa de Zoneamento de Riscos Climáticos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), conforme descrito por Assad et al. (2004, 2007a, 2007b, 2008), Caramori et al. (2006), Pinto et al. (2007, 2008), Zullo Jr et al, (2006, 2008). O diferencial da metodologia proposta, e descrita na Figura 2, em relação à que é normalmente utilizada, será a incorporação de outras análises e parâmetros que não são normalmente considerados neste Programa, mas que são fundamentais para o trabalho a ser desenvolvido. É importante citar alguns aspectos relevantes desta metodologia que são de grande interesse para o Projeto e que justificam a sua utilização:

    - Utilização de técnicas de geoprocessamento, que viabiliza a realização de análises espaciais através de cartas e mapas gerados no transcorrer do seu desenvolvimento e que são de grande utilidade. A escala de trabalho deverá ser de, no mínimo, 1:1.000.000;
    - Descrição de parâmetros qualitativos através de valores quantitativos a serem utilizados nas análises e nos cruzamentos com outros parâmetros;
    - Desenvolvimento orientado para a implementação de políticas públicas, que é um dos objetivos principais do Programa de Mudanças Climáticas da FAPESP e deste Projeto, em particular;
    - Viabilidade para integração das diversas áreas do conhecimento envolvidas no Projeto, respeitando-se as individualidades e características de cada uma delas.

Cada etapa da metodologia poderá ser desenvolvida de forma independente, mas deverá acompanhar sempre o andamento das demais, pois o estabelecimento de uma inter-relação efetiva entre os vários parâmetros envolvidos na produção de etanol é um dos principais desafios científicos do Projeto. Desse modo, acredita-se que será possível responder aos grandes desafios apresentados como objetivos específicos do Projeto, no Item 6, e, consequentemente, alcançar o objetivo geral, apresentado no item 3. Deverão ser elaborados cenários de produção para três períodos distintos: 2025 (curto prazo), 2050 (médio prazo) e 2075 (longo prazo). Estes prazos estão bem adequados, considerando tratar-se de uma cultura com quase 500 anos de história no país e uma perspectiva de evolução promissora para as próximas décadas. Poderão ser elaborados cenários para o período atual, com o objetivo de aferir a metodologia durante o seu desenvolvimento através da comparação dos resultados obtidos por ela com os dados existentes atualmente. Os cenários serão feitos para o estado de São Paulo, por ser a principal região de produção de cana, açúcar e álcool do país, e uma das principais do mundo. Esta análise poderá englobar o norte do estado do Paraná e o sul de Minas Gerais, pois são regiões de expansão vizinhas de São Paulo. Deverá ser escolhida uma segunda área-teste, correspondente a uma região de expansão, tal como um dos estados do Centro-Oeste, ou uma região que seja tradicional no cultivo da cana, mas não possua o mesmo nível de desenvolvimento do Sudeste, tais como ocorre em alguns estados do Nordeste brasileiro.


Figura 2. Esquema da metodologia a ser utilizada para a elaboração dos cenários de produção de Etanol.

A primeira parte da metodologia, denominada de Análise Climática, corresponde à definição das áreas com risco climático adequado para a produção da cana-de-açúcar, sendo baseada nas características edafoclimáticas da cana-de-açúcar e nas condições climáticas (normalmente na temperatura e na chuva) do período em análise. No caso da simulação do período atual, serão consideradas as características médias das principais variedades de cana-de-açúcar cultivadas no Brasil e utilizadas séries históricas de dados de chuva e temperatura disponíveis, por exemplo, no Sistema de Monitoramento Agrometeorológico Agritempo (http://www.agritempo.gov.br). As características edafoclimáticas da cana-de-açúcar, para os períodos futuros, serão determinadas com o apoio dos especialistas em melhoramento vegetal e engenharia genética participantes do Projeto. A definição dos cenários climáticos futuros é um dos objetivos específicos do Projeto e serão escolhidos pelos membros da equipe técnica especialistas em climatologia. Serão avaliados os modelos de mudanças climáticas propostos, ao longo do desenvolvimento do Projeto, pelos institutos de previsão climática do Brasil e exterior. Pretende-se escolher de três a cinco modelos distintos que sejam mais adequados para o Brasil e que tenham resolução espacial melhor que os utilizados nos trabalhos já realizados. O modelo a ser desenvolvido no âmbito do programa de mudanças climáticas da FAPESP deverá ser um dos modelos utilizados, se possível.

A comparação entre os zoneamentos de riscos climáticos gerados para períodos diferentes permitirá atender um dos objetivos específicos do projeto que é o aprofundamento da avaliação do impacto das mudanças climáticas na agricultura, principalmente na cultura da cana-de-açúcar. Ressalta-se que a metodologia de zoneamento agrícola utilizada atualmente no Ministério da Agricultura estabelece que o risco de sucesso deva ser igual ou superior a 80%, ou seja, deve haver pelo menos quatro safras bem sucedidas a cada cinco cultivadas.

A segunda parte da metodologia, denominada de Análise Agrícola, tem o objetivo principal de definir as áreas potenciais de plantio da cana-de-açúcar, com base nos seguintes parâmetros principais:

    - Tecnologia agrícola empregada no setor: relaciona-se, por exemplo, à fertilidade dos solos, ao relevo adequado para mecanização e à disponibilidade de variedades produtivas e adequadas para cada região de interesse;
    - Uso e ocupação das terras: dimensões das áreas urbanas, áreas utilizadas por outras culturas e de preservação ambiental;
    - Projeção e distribuição populacional: necessária para definir o potencial da mão-de-obra disponível para o setor, o tamanho do mercado consumidor e a necessidade de alimentos; e
    - Políticas relacionadas com o setor: podem incentivar ou frear o seu desenvolvimento.

Salienta-se que os cenários climáticos também são importantes nesta etapa da metodologia, pois podem influenciar diretamente os demais parâmetros, razão pela qual aparece explicitamente no diagrama da Figura 2.

O mapeamento do uso e ocupação atual das terras será básico para as estimativas futuras deste parâmetro a serem realizadas a partir das previsões de mudanças climáticas. Poderão ser utilizados levantamentos feitos recentemente, desde que disponíveis em formato digital. Outra alternativa, serão as séries de imagens de satélites de baixa resolução espacial, como o AVHRR/NOAA, disponíveis, por exemplo, na Unicamp desde abril de 1995. O mapeamento das áreas urbanas poderá ser feito, também, através das imagens dos satélites americanas da série DMSP que são bastante adequadas para esta finalidade.

A terceira etapa da metodologia consiste em cruzar os resultados das etapas anteriores (Climática e Ambiental), visando definir as áreas com condições edafoclimáticas, ambientais e agrícolas favoráveis ao desenvolvimento da cana-de-açúcar. A quarta etapa da metodologia, denominada de Análise Industrial, tem o objetivo de determinar o potencial efetivo de produção de álcool etanol com base nos seguintes parâmetros principais:

    - Tecnologia industrial para a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar;
    - Infra-estrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, armazéns e portos) para geração e distribuição das produções agrícola e industrial. Ressalta-se que este parâmetro, junto com a distribuição do mercado consumidor, é estratégico na definição do alcance espacial das produções (se locais, regionais, nacionais ou internacionais, isto é, para exportação);
    - Disponibilidade de recursos financeiros para investimentos (infra-estrutura e instalação de plantas industriais, por exemplo);
    - Projeção e distribuição populacional (necessária para avaliar as novas demandas relativas à infra-estrutura urbana, como saneamento, serviços básicos e sistema viário, em um cenário de crescimento populacional acelerado das cidades de médio e grande porte); e
    - Políticas relacionadas com o setor (que podem incentivar ou dificultar o seu desenvolvimento).

    A produção de etanol estimada deste modo será, portanto, dependente das definições feitas (com base em dados, considerações, análises, restrições e hipóteses) para cada um dos vários parâmetros selecionados. Quanto mais embasadas e criteriosas forem estas definições, mais precisas e úteis deverão ser as estimativas feitas. A partir de definições adequadas dos vários parâmetros envolvidos no trabalho, poderá ser estimada, por exemplo, qual a produção de etanol numa situação de baixo impacto ambiental, sem risco de insegurança alimentar e nutricional, com capital disponível para os investimentos necessários.

Logotipo do Programa Fapesp de Mudanças Climáticas Processo N.08/58160-5 | Período: 01/12/2010 a 30/11/2014