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06/08/2012

As instituições e o futuro da energia

Ronaldo Bicalho

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As instituições têm um papel decisivo na configuração do futuro da energia. Este texto discute o papel das políticas energéticas dos diversos Estados nacionais na evolução do cenário energético no médio (2030) e no longo (2050) prazos.

O peso das instituições

Dois fatores determinam a evolução estrutural do cenário energético: tecnologia e instituições.

Se, por um lado, as tecnologias vão definindo o horizonte de possibilidades de mediação entre as necessidades energéticas e os recursos naturais, por outro, as instituições vão enquadrando essas possibilidades; incentivando ou penalizando, sancionando ou vetando tecnologias, estratégias, empresas e países.

A evolução energética no médio e no logo prazo, vista sob a perspectiva de hoje, depende do posicionamento das instituições que regulam, em sentido amplo, o mercado energético frente a dois temas cruciais: segurança energética e mudança climática.

Esse posicionamento, na medida em que se traduza em políticas públicas, definidoras das ações dos diversos Estados Nacionais no enfrentamento desses dois problemas, irá se constituir em um dos elementos chave para a definição dos futuros possíveis da energia.

O trade off segurança energética versus mudança climática

A grande peculiaridade da atual configuração dos problemas energéticos é a forte interdependência existente entre segurança energética e mudança climática, que ao fim transforma esses dois problemas em um único problema: como garantir o suprimento de energia necessário ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar da sociedade e, ao mesmo tempo, mitigar o processo de mudança climática?

Nesse contexto, mitigar o processo de mudança climática significa reduzir a emissão dos chamados gases de efeito estufa. Reduzir essa emissão implica na redução da queima dos combustíveis fósseis, que constituem a grande fonte geradora desses gases.

Como os combustíveis fósseis são o principal recurso para garantir o suprimento de energia, o conflito entre a solução dos dois problemas se estabelece. Lidar com esse trade-off é o maior desafio das políticas energética e ambiental. Vistas agora não mais de forma estanque, mas necessariamente de forma interligadas. Sem o quê, não há possibilidade de formular o problema e encontrar a sua solução.

O reconhecimento da radicalidade desse trade-off e dos seus desdobramentos sobre o futuro transcende uma visão simplista de uma otimização sob restrição; de garantir a segurança energética diante de um constrangimento ambiental. Considerando que a redução das emissões de CO2 implica na indisponibilidade de um recurso chave para a segurança energética, não basta reconhecer que usar combustível fóssil tem um custo elevadíssimo para a segurança climática, é preciso reconhecer que não usar esses combustíveis, em contrapartida, tem um custo elevadíssimo para a segurança energética.

A resposta dos Estados Nacionais a esse trade-off tem três momentos: o primeiro momento diz respeito ao seu reconhecimento; o segundo momento diz respeito à sua gestão; e o terceiro momento diz respeito à sua redução.

Reconhecendo, gerindo e reduzindo o trade off

O primeiro momento implica não só o reconhecimento do problema, mas principalmente o reconhecimento da sua gravidade e da urgência da sua solução.

É evidente que dada a complexidade do problema, o seu reconhecimento não é o mesmo tanto no interior das sociedades quanto entre os países.

Considerando que as percepções são distintas é de se esperar que as políticas delas derivadas também sejam distintas.

O segundo momento implica na hierarquização e na subordinação dos objetivos ou, dito de outra forma, na escolha do que é prioritário, do que deve ser preservado e do que deve ser sacrificado, do que deve ser incentivado e do que deve ser penalizado.

Dadas as especificidades locais das instituições, tanto no que concerne às prioridades quanto no que diz respeito aos mecanismos de se chegar a elas, os processos de hierarquização são diferentes, assim como as políticas deles resultantes.

A redução do trade-off, presente no terceiro momento, implica na mobilização dos recursos necessários para alcançá-la. Recursos esses que vão desde os naturais até os institucionais, passando pelos tecnológicos, organizacionais, econômicos e financeiros. A dificuldade dessa mobilização é diretamente proporcional ao grau de redução desejada e inversamente proporcional à disponibilidade desses recursos e da capacidade de reuni-los e administrá-los.

Considerando que tanto o grau de redução quanto, principalmente, a dotação dos recursos é bastante desigual entre os diversos países, supõe-se que as políticas para atingi-la serão diferentes de país para país.

Desse modo, percepções diferentes, hierarquizações distintas e recursos desiguais geram uma multiplicidade de políticas que torna a convergência no interior de cada sociedade e entre os diversos países um processo extremamente difícil e gerador de incertezas significativas.

São essas incertezas que estão presentes na elaboração dos cenários sobre a energia no futuro. O que é importante ressaltar é que essas incertezas atualmente perpassam as instituições; dificultando o exercício do seu papel decisivo que é estabilizar as expectativas e reduzir as inquietudes dos agentes econômicos e dos atores sociais em relação ao futuro.

O médio prazo (2030)

Considerando o horizonte de 2030, pode-se vislumbrar as instituições energéticas evoluindo em torno dos dois primeiros momentos abordados anteriormente. Ou seja, o reconhecimento e a gestão do trade-off.

Neste caso, considera-se que hoje a redução do trade-off, propriamente dita, representa mobilizar recursos para viabilizá-la no futuro.

Em outras palavras, a redução do trade-off e, portanto, a convergência das soluções para os problemas de segurança energética e mudança climática não estão naturalmente disponíveis. Na verdade, necessitam ser construídas e, para isso, é preciso mobilizar recursos tecnológicos, organizacionais e institucionais significativos para alcançá-las em um horizonte de tempo de longo prazo.

Dessa forma, o que se desenha no médio prazo é todo o processo de reconhecimento do trade-off e de sua gestão.

Dessa maneira, essa etapa da evolução do contexto institucional energético é marcada pela distribuição de penalidades e incentivos. Penalidades ao uso dos combustíveis fósseis e incentivos à eficiência energética e ao uso dos renováveis.

A amplitude desses incentivos e dessas penalidades está intimamente ligada às características das instituições e dos seus contextos locais.

Nesse caso, sobressaem as diferentes percepções do problema e da sua gravidade, assim como a distribuição dos sacrifícios e dos incentivos entre os agentes econômicos e sociais e entre os países.

Nesse contexto, o embate em torno do reconhecimento do problema e de sua gravidade adquire uma natureza política que pode ser sintetizada pelas duas extremidades do espectro de negação do problema: os conservadores americanos que negam qualquer correlação entre consumo de combustível fóssil, aquecimento global e mudança climática e os ambientalistas radicais que negam qualquer relação entre consumo de combustível fóssil, desenvolvimento econômico e bem-estar. Tanto para um quanto para outro, usar ou não o combustível fóssil não faz diferença e, portanto, não pode ser traduzido em termos de insegurança climática ou energética; o que torna a discussão sobre o sacrifício desnecessária e sem sentido e faz com que o problema simplesmente desapareça.

As políticas energéticas que irão desenhar o contexto energético até 2030 vão depender essencialmente das posições hegemônicas que brotarem desse embate e que vão configurar uma dada estrutura de penalidades (aos fósseis) e benefícios (às renováveis) específica a essas posições. Estrutura essa que define não apenas a extensão desses benefícios e penalidades, mas quais serão as fontes, as tecnologias, os agentes econômicos, os atores sociais e os países que serão beneficiados e quais aqueles que serão penalizados.

Em suma, quanto será a conta, quanto será o bônus; quem pagará a conta, quem ficará com o bônus.

É evidente que quanto maior o reconhecimento da gravidade da situação maior será a conta e, em consequência, mais dura será a discussão em torno da sua distribuição.

A fonte de transição

Nesse quadro de disputa acirrada e tensa, ganha importância os recursos que possam amenizar a transição e reduzir, de alguma forma, o acirramento e a tensão e, desta forma, abrir a possibilidade de se construir algum tipo de consenso.

Esse amenizante das dores e dos sacrifícios da transição – verdadeiro analgésico energo-climático – pode adquirir vários aspectos; contudo, as soluções para a transição que apresentaram maior proeminência até agora foram a nuclear e o gás natural.

A primeira tem a vantagem de não ser um combustível fóssil e, por conseguinte, de não gerar gases de efeito estufa na sua utilização. Porém, apresenta problemas clássicos de segurança que geram grandes desconfianças da sociedade em relação ao seu uso.

Dado os elevados riscos envolvidos na sua utilização, a implementação do nuclear como solução envolve a mobilização de recursos tecnológicos, organizacionais, institucionais, econômicos e financeiros de monta. Isso leva o nuclear para o campo daquelas soluções que necessitam de incentivos para se estabelecerem; como é o caso das renováveis. Se, por um lado, em termos de estocabilidade e densidade o nuclear se fortalece como substituto dos fósseis, por outro, os seus riscos o tornam mais vulnerável a proibições e sanções, o que o enfraquece como solução de consenso.

Contudo, não se deve descartar a participação dessa fonte no quadro energético que vai até 2030; principalmente em um cenário no qual ocorram restrições maiores ao uso do combustível fóssil que ponham em risco a segurança energética.

Face às dificuldades do nuclear, restou em cena o gás natural, turbinado pela shale gas.

Com o gás abre-se a possibilidade de uma transição menos dolorosa e, portanto, passível de ser negociada.

Visto por esse ângulo, essa seria uma fonte que aumentaria a sua importância no cenário energético até 2030, baseada no fato de ser a energia fóssil que emite menos CO2.

Dessa forma, até 2030 haverá muita tensão em torno da definição de uma política energética de combate à insegurança energética e ambiental, fazendo com que ocorra uma diversificação controlada da matriz energética na direção de alternativas aos combustíveis fósseis.

Essa diversificação provavelmente irá na direção dos renováveis disponíveis hoje, com as tecnologias de hoje e com os custos de hoje. O que passa incontornavelmente por recorrer ao binômio incentivo/penalidade de forma a tornar os renováveis mais competitivos e os fósseis menos competitivos. Binômio esse que também tem um papel importante na implantação dos programas de eficiência energética incentivando as tecnologias mais eficientes e penalizando o desperdício.

Assim o coquetel energético até 2030 segue tendo como principal ingrediente os combustíveis fósseis tradicionais, com um aumento da participação do gás natural. O nuclear segue à mão para o caso da pressão por segurança energética aumentar. E os renováveis crescerão a sua participação em um ritmo constante, porém não explosivo.

No campo institucional, enquanto não se vislumbrarem possibilidades concretas de redução do trade off segurança energética versus mudança climática, o conflito seguirá acirrado tanto entre os diversos agentes econômicos e sociais quanto entre os países.

Convergência e consenso aqui, só sob a ameaça de uma catástrofe ambiental irrefutável.

O longo prazo (2050)

No horizonte de 2050 é possível contemplar a redução do trade off e a redução das tensões em torno da difícil administração dos sacrifícios da transição.

Aqui a redução pode ser alcançada não só mediante uma nova mediação tecnológica entre necessidades e recursos, caracterizada por uma baixa intensidade de carbono, como mediante a alteração das próprias necessidades. Ou seja, não só é possível imaginar uma configuração de recursos distinta da atual, mas uma configuração de necessidades também diferente da atual.

Embora o horizonte de tempo seja distante, dada a gravidade do problema energético/ambiental, a urgência de se tomar medidas no curto e médio prazo pode encurtar os prazos da decisão. Em outras palavras, se houver uma percepção de que a sensibilidade climática é muito grande, as pressões para a redução das emissões irão aumentar muito, sob a ameaça de que não haja o longo prazo.

Assim, se a sensibilidade é baixa, o desenrolar do processo de mudança climática irá transcorrer em um timing no qual haverá tempo para uma transição indolor dividida nas duas fases apresentadas acima. Nessa transição, a chegada ao paraíso das renováveis se dará em 2050, com as novas tecnologias e os novos hábitos, amadurecidos através de um longo processo sustentado de transformação tecnológica e institucional.

No entanto, se a sensibilidade for alta, o desenrolar do processo de mudança climática será acelerado, sem tempo para uma transição indolor. Na verdade, a própria ideia de uma transição desaparece e a passagem de uma economia de alto carbono para uma economia de baixo carbono terá que ser feita diretamente. Nesse caso, os custos serão altíssimos e as pressões sobre as instituições terríveis.

Em suma, em termos de longo prazo, a questão importante para as instituições é a seguinte: o processo de mudança climática se desenvolverá em um ritmo que o horizonte de 2050 permanecerá sendo apenas uma referência no futuro, ou a aceleração do processo fará com que esse futuro bata na porta das instituições agora?


Fonte:Blog Infopetro



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