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30/05/2011

Crise de oferta no mercado do etanol: conjuntural ou estrutural?

Edmar de Almeida e Thales Viegas

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Após queda nos preços do etanol, com o início da safra, a questão que fica para o Governo e para os consumidores é se a crise de oferta do etanol é uma questão conjuntural ou estrutural. Ou seja, este foi um problema pontual referente apenas à última entressafra ou algo que tende a se repetir nos próximos anos.


Para responder a esta pergunta é necessário uma análise mais cuidadosa dos fatores que estão detrás do problema. A razão básica do recente pico de preços foi o desequilíbrio entre oferta e demanda. Algumas causas deste desequilíbrio são conjunturais. Entretanto, nos parece que existem outras cujos efeitos podem durar por um período mais longo de tempo.


Depois da crise de 2008, a demanda potencial de etanol cresceu muito à frente da oferta de etanol. Em março de 2011, o setor automotivo alcançou a marca de 13,19 milhões de veículos flex-fuel licenciados desde 2003 e a participação destes veículos na frota total de veículos leves alcançou 43%. Somente em 2010 foram vendidos cerca de 3 milhões de veículos flex-fuel.


Por outro lado, a oferta de etanol foi tremendamente afetada pela crise econômica. Os projetos greenfield tiveram problemas de financiamento e os investimentos das empresas focaram a fusão e aquisição externa (F&A) em detrimento da expansão da capacidade produtiva da indústria. A participação das empresas estrangeiras no setor de etanol aumentou de 7% em 2007 para 22% em 2010.



O Gráfico 1 abaixo mostra claramente que houve uma desaceleração na taxa de crescimento da produção de cana de açúcar a partir da safra 2008/2009. Adicionalmente, a queda na rentabilidade da produção de etanol e as dificuldades financeiras entre 2008 e 2010 resultaram numa redução da taxa de renovação de áreas já plantadas. A consequência foi uma queda na produtividade agrícola.


Evolução da Produção de Cana de Açúcar



Fonte: Elaboração própria a partir de dados da UNICA


Este desequilíbrio entre oferta e demanda nos parece mais um problema estrutural que conjuntural. O problema foi apenas agravado por questões conjunturais. Dentre estas questões podemos citar:



  • Aumento do preço do açúcar no mercado internacional, que gerou forte atrativo para se produzir açúcar (atingindo quase o limite da capacidade de produção), em detrimento do etanol, que remunerou menos durante a safra (gráfico 2);



  • Fenômenos climáticos que provocaram a quebra das duas últimas safras de cana-de-açúcar. Tais quebras prejudicaram a qualidade da cana (teor de sacarose) e a produtividade da colheita que permitiriam o aumento da produção de cana e de etanol. Na safra 2009/2010, houve chuva muito acima da média e na safra 2010/2011 houve estiagem.



Gráfico 2



A elevação dos preços do etanol tem colocado em questão a retomada do mercado do etanol hidratado. Desde 2009, em geral, os preços do etanol hidratado têm ficado persistentemente acima de 70% do preço da gasolina em muitos estados. Neste caso, proprietários de veículos flexfuel estão apenas utilizando gasolina. É importante ressaltar que para ter oportunidade de consumir etanol mais barato, os proprietários de veículos flex abrem mão de eficiência do motor. Ou seja, a flexibilidade tem um custo. Arcar com esse custo e não ter oportunidade de utilizar etanol, por longo período de tempo, não tem sentido econômico.


No atual modelo de negócios do setor açúcar e etanol, o mercado nacional de etanol hidratado tem se tornado cada vez mais o produto cuja oferta é residual. Isto ocorre não apenas porque os produtores vêm priorizando a produção de açúcar, que remunera melhor a cana neste momento. Isto ocorre também, porque os produtores têm que atender prioritariamente seus contratos de longo-prazo, tanto de etanol anidro para a mistura na gasolina no Brasil quanto para a exportação. Por esta razão, a oferta de etanol hidratado se tornou mais volátil nos últimos anos.


A volatilidade da oferta de etanol hidratado vem criando um problema de segurança de abastecimento no mercado de combustíveis brasileiro. Ou seja, quando cai a oferta de etanol hidratado, seus preços ficam acima dos 70% do preço da gasolina, e a maioria dos consumidores dos veículos passam a utilizar a gasolina. Para garantir o suprimento desta demanda variável de gasolina, a Petrobras tem atuado tanto na exportação quanto na importação de grandes volumes de gasolina.


O atendimento desta demanda variável apresenta um custo logístico importante para a empresa. Desta forma, uma questão que surge da dinâmica recente no mercado de etanol é se é justo que apenas a Petrobras arque com os custos da garantia do suprimento de combustíveis para os motores ciclo Otto, enquanto os produtores de etanol variam a produção de etanol justamente para aumentar sua rentabilidade produzindo mais açúcar.


Outra questão relevante que surgiu com a crise de oferta recente foi o descolamento entre o preço do etanol hidratado e do etanol anidro. Conforme pode ser visto no gráfico 3, o preço do etanol anidro foi muito mais afetado pela crise que o preço do etanol hidratado. Isto ocorre porque a demanda o etanol anidro não responde às variações de preço, já que este tipo de etanol é utilizado para misturar na gasolina. A forte elevação dos preços do etanol anidro afetou o preço da gasolina nos postos, com impactos inflacionários muito significativos.


Preços do etanol anidro e etanol hidratado (ao produtor de São Paulo)




Fonte: Elaboração própria a partir de dados do CEPEA/ESALQ/USP


Todas as questões colocadas acima fizeram soar um alerta vermelho no Governo brasileiro com relação ao mercado de etanol no Brasil. Diante disto o Governo resolveu atuar e tomou uma série decisões e posicionamentos no calor da crise de preços. Entretanto, nem todas as medidas adotadas pelo governo atacam o problema estrutural apontado neste artigo.


As principais determinações do Governo foram:



  • Aumento da competência regulatória da ANP para toda a cadeia do etanol;

  • Redução do piso da mistura de etanol anidro de 20% para até 18%, de modo que a mistura possa variar entre 18% e 25%;

  • Intervenção branca na fixação dos preços no mercado final através da redução do preço por parte da BR distribuidora;

  • Decisão de aumentar os investimentos da Petrobras na produção direta de etanol.




Além das decisões acima, várias ameaças surgiram no calor da crise. O Governo ameaçou a indústria de taxar exportação de açúcar e de investigar a existência de cartéis no mercado de etanol. A redução da mistura de etanol anidro de 25% para 18% também ficou no nível de ameaça. Enquanto a produção de etanol não aumentar não será possível reduzir a mistura, para não implicar num aumento das importações de gasolina.


Diante do apresentado acima, uma questão fica no ar. Como corrigir o desequilíbrio estrutural no mercado do etanol? Acreditamos que a travessia não vai ser curta para voltarmos a uma situação de oferta confortável. Para isto, será necessário acelerar muito o ritmo de crescimento da área plantada de cana-de-açúcar.


A retomada de um ritmo acelerado do crescimento da oferta depende não apenas da rentabilidade do setor (que está favorável no momento), mas também da percepção do risco por parte dos investidores. O problema é que a crise da entressafra passada e, possivelmente, das próximas entressafras, deverá resultar num maior grau de intervenção estatal no setor. Neste sentido, as decisões que o Governo irá tomar para diminuir a volatilidade do preço do etanol nas próximas entressafras serão cruciais para o futuro do setor.


Por um lado, está claro que o setor de etanol precisa de mais regulação. A questão da garantia do suprimento não pode ser relegada a um segundo plano pela indústria de etanol, como tem sido feito ultimamente.


Por outro, é muito importante que a regulação preserve um ambiente favorável à solução da questão estrutural, ou seja, a elevação da oferta em larga escala, o mais rápido possível.


Fonte:Infopetro



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