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04/10/2013

Entrevista especial com Vivian Capacle


Entrevista


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“O crescimento da cana-de-açúcar tem ocorrido muito mais em razão da ocupação de novas áreas em relação ao crescimento da produtividade”, constata a pesquisadora.

“Os estados do Centro-Oeste, principalmente Goiás e Mato Grosso do Sul, compõem a nova fronteira agrícola da cana-de-açúcar no país”, aponta Vivian Capacle, autora da tese intitulada O desenvolvimento e a expansão recente da produção agropecuária no Centro-Oeste, defendida este ano na Universidade Estadual de Campinas.

Segundo ela, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, a expansão agrícola está relacionada “ao crescimento da produtividade”, à saturação da produção no estado de São Paulo e ao elevado preço das terras no território paulista.

Vivian Capacle analisou a substituição das principais culturas do Centro-Oeste entre 1995 e 2006. Em pouco mais de uma década, assinala, “pude constatar que, do total da área agricultável na região, a cana-de-açúcar substituiu cerca de 290 mil hectares, atrás das culturas de soja e milho, enquanto as áreas de pastagem natural tiveram mais de quatro milhões de hectares substituídos; o arroz, cerca de 370 mil hectares; e o feijão, cerca de sete mil hectares”. De acordo com ela, essa análise “mostra uma ideia da dinâmica do setor agropecuário nas novas áreas de expansão”.

Atualmente, somente em Goiás, relata, “muitas fazendas de gado se transformaram em lavouras de cana-de-açúcar”.

A expansão da cana-de-açúcar no Centro-Oeste gera o deslocamento de atividades recorrentes nesses estados para outros. Um exemplo é a migração da pecuária “para áreas mais remotas, muitas das quais sob a influência do bioma Amazônia. Há ainda a retirada de vegetação original, e no Centro-Oeste estão presentes, além do bioma Amazônia, os biomas Pantanal e Cerrado, que também apresentam índices de supressão da vegetação original”.

Vivian Capacle é graduada em Administração pela Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep, mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutora em Desenvolvimento Econômico pela mesma universidade.

IHU On-Line - Na sua pesquisa de doutorado, relata a expansão da cana-de-açúcar que tem ocorrido em Goiás e em Mato Grosso do Sul. Por que a migração para esses estados?

Vivian Capacle - Importante frisar que a cana-de-açúcar está ainda presente no estado de São Paulo, que é o maior produtor no Brasil. Contudo, a cana está se dirigindo para as regiões/estados limítrofes a São Paulo em razão da necessidade de áreas para expansão.

A minha pesquisa de tese identificou que o crescimento da cana-de-açúcar tem ocorrido muito mais em razão da ocupação de novas áreas em relação ao crescimento da produtividade. Dadas essas características, a cana busca novas áreas para ocupar. Como o estado de São Paulo se encontra saturado nessa produção e com terras a preços elevados, a cana, portanto, tem se dirigido às áreas limítrofes.

Nesse sentido, os estados do Centro-Oeste, principalmente Goiás e Mato Grosso do Sul, compõem a nova fronteira agrícola da cana-de-açúcar no país.

Dentre os motivos dessa expansão nessas regiões/estados, podemos citar a disponibilidade e os preços menores das terras, a declividade das terras que favorece a mecanização da cultura, as condições climáticas favoráveis à cultura, os incentivos dos governos municipais e estaduais.

A disponibilidade de terras para o cultivo da cana-de-açúcar tem, pode-se dizer, duas frentes: a primeira está relacionada a áreas antes ocupadas por outras culturas, e a segunda, a áreas que eram ocupadas por gado. Nesta última, o pecuarista arrenda as terras para a cana-de-açúcar e migra o gado e suas atividades para áreas mais ao norte do país, ou desiste da atividade pecuarista e arrenda a terra para a cana-de-açúcar, ou simplesmente muda de atividade, deixando de ser pecuarista para se tornar produtor de cana-de-açúcar.

IHU On-Line - Quais são as questões econômicas que favorecem essa expansão para o Centro-Oeste?

Vivian Capacle - Cito os incentivos governamentais relacionados à isenção de impostos para a instalação de novas usinas de açúcar e álcool na região/estados e os incentivos/auxílios para aquisição de áreas onde serão instaladas as usinas. Juntamente com a chegada de uma usina nas novas áreas de expansão está a chegada da cultura canavieira.

IHU On-Line - Que relações estabelece entre a produção de cana-de-açúcar e de alimentos no Centro-Oeste? A plantação de cana tem prejudicado outras culturas agrícolas?

Vivian Capacle - De modo geral, nessas novas áreas de expansão da cana-de-açúcar, a área que antes era destinada a outras culturas, como, por exemplo, produção pecuária, passa a ser destinada para a cultura canavieira, a qual tem apresentado maior rentabilidade financeira. Em Goiás, por exemplo, muitas fazendas de gado se transformaram em lavouras de cana-de-açúcar, por aqueles motivos já comentados: ou o pecuarista migra de atividade ou arrenda suas terras para a cana e desloca a atividade pecuarista para áreas mais remotas, as quais têm apresentado preços mais baixos para as terras.

Isso também tem ocorrido no estado de São Paulo. Áreas que antes eram destinadas à plantação de laranjas foram e estão sendo arrendadas para a cana-de-açúcar. Nesse aspecto, muitos produtores deixaram de ser produtores de laranja e passaram a ser produtores de cana-de-açúcar ou arrendatários de terra.

Na pesquisa de tese, fiz uma análise sobre o efeito da substituição entre as principais culturas do Centro-Oeste, entre os Censos Agropecuários de 1995 e 2006. Pude constatar que, do total da área agricultável na região, a cana-de-açúcar substituiu cerca de 290 mil hectares, atrás das culturas de soja e milho, enquanto as áreas de pastagem natural tiveram mais de quatro milhões de hectares substituídos; o arroz, cerca de 370 mil hectares; e o feijão, cerca de sete mil hectares. Importante frisar que essa análise não indica qual a cultura que foi substituída e por qual cultura, apenas indica a alteração da área agricultável total, mas nos mostra uma ideia da dinâmica do setor agropecuário nas novas áreas de expansão.

IHU On-Line - Quais são os impactos diretos e indiretos desta expansão?

Vivian Capacle - Pode-se citar o predomínio da monocultura canavieira nas novas áreas de expansão, a substituição de culturas, o deslocamento da pecuária para áreas mais remotas, muitas das quais sob a influência do bioma Amazônia. Há ainda a retirada de vegetação original, e no Centro-Oeste estão presentes, além do bioma Amazônia, os biomas Pantanal e Cerrado, que também apresentam índices de supressão da vegetação original. Ocorre ainda o crescimento da imigração de mão de obra para as lavouras da cana-de-açúcar, muitas vezes pouco qualificada, o crescimento das cidades com a chegada das usinas de açúcar e álcool e das lavouras de cana-de-açúcar, entre outros.

Importante notar que, com a chegada da usina e da lavoura canavieira, toda a estrutura produtiva da cidade se volta a esse novo setor. Isso tem impactos para as culturas locais tradicionais, que são suprimidas em razão do novo setor, o qual é visto, muitas vezes, como a solução para os problemas econômicos das cidades/regiões. Junto a isso, soma-se a leva de imigrantes que chega às cidades, muitas vezes vindos de regiões longínquas do país. Então, surgem os problemas sociais: como alocar essa nova gente? E como alocar a demanda crescente pelos serviços básicos de saúde, educação e habitação, por exemplo?

IHU On-Line - Quais são as preocupações ambientais por conta dessa expansão?

Vivian Capacle - Como apontado na resposta anterior, o Centro-Oeste está sob a influência dos biomas Amazônia, Pantanal e Cerrado. O gado, que é substituído pela monocultura canavieira, tem se deslocado para regiões mais ao norte, principalmente no Pará, que está sob a influência do bioma Amazônia com indícios de desmatamento.

Ainda assim, há indícios de supressão da vegetação original nas novas áreas para a expansão da cana-de-açúcar. As principais ameaças à biodiversidade no Cerrado do Centro-Oeste estão centradas na expansão da agropecuária, pela conversão de áreas para a produção com perda de vegetação original.

A pesquisa da tese identificou os principais municípios produtores de cana-de-açúcar nos biomas presentes no Centro-Oeste. No bioma Pantanal, por exemplo, entre o período 2002-2008 houve município que foi responsável por cerca de 40% do desmatamento nesse bioma. Os números não apontam o motivo do desmatamento, mas pode-se supor uma relação com a dinâmica expansiva da cana-de-açúcar.

IHU On-Line - Como avalia os zoneamentos dos estados do Centro-Oeste em relação à plantação de cana-de-açúcar?

Vivian Capacle - Os Zoneamentos Ecológicos-Econômicos - ZEE estabelecem a importância ecológica, as limitações e as fragilidades dos ecossistemas e impõem vedações, restrições e alternativas de exploração do território, bem como determinam a relocalização de atividades incompatíveis com suas diretrizes.

De acordo com o Decreto 4.297/2002, é de competência do poder público federal a elaboração e a execução do ZEE nacional e regional, quando tiver por objetivos os biomas brasileiros. Os governos estaduais podem elaborar e implantar o ZEE estadual, desde que este gere produtos e informações previstas nesse Decreto.

Um ZEE estadual é reconhecido pelo governo federal para indicativo de uso do território, para utilização e gestão de ecossistemas, bem como para definição dos percentuais para fins de recomposição ou aumento de reserva legal, por exemplo.

O ZEE de Mato Grosso do Sul, Lei nº 3.839/2009, especifica as áreas onde é permitida a instalação da indústria sucroalcooleira de forma a direcionar a plantação da cana-de-açúcar para áreas propícias e não frágeis do ponto de vista ecológico-ambiental.

O estado de Goiás, por sua vez, não possui legislação própria sobre o ZEE. No momento da pesquisa da tese, foi identificado que a política de zoneamento nesse estado está ainda em estágio inicial. Notou-se também pouca preocupação com a degradação ambiental que a expansão da cana-de-açúcar tem causado no Estado e com a transformação das áreas produtoras agrícolas em monoculturas de cana-de-açúcar.


Fonte:Instituto Humanitas Unisinos – IHU



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